O que é e por que existe o preconceito linguístico?

O preconceito linguístico também é uma forma de silenciamento.
O preconceito linguístico também é uma forma de silenciamento.

Neste artigo, você vai saber o que é e por que existe o preconceito linguístico. Além disso, vai descobrir se existe mesmo o tal “erro de português”. E você que gosta dos conteúdos do site Gramática da língua portuguesa, conheça também os livros de seu autor. É só clicar aqui.

O que é o preconceito linguístico?

O preconceito linguístico é mais um dos inúmeros preconceitos de uma sociedade. Nesse caso, ele ocorre quando alguém desmerece uma pessoa por ela não dominar as regras da gramática tradicional. Na verdade, isso é usado como desculpa para humilhar e discriminar alguém.

Por trás do preconceito linguístico, está o preconceito de classe. Afinal, existe uma ideia difundida socialmente de que pessoas de classe baixa “falam errado”. Assim, há uma supervalorização da gramática tradicional e desrespeito por outros falares que se desviam da norma padrão e, por que não dizer?, burguesa.

No contexto brasileiro, em que o ensino básico da escola pública ainda deixa a desejar, o indivíduo que tem dinheiro pode estudar em uma escola particular e, supostamente, ter o domínio da norma culta do português. “Falar errado”, portanto, seria a prova da origem social de alguém, daí o preconceito.

Há preconceito também em relação a falantes de gíria e, consequentemente, ao grupo a que essas pessoas pertencem. É o caso do pajubá, gíria usada pela comunidade LGBTQIA+, por exemplo. E não podemos esquecer do preconceito em relação a certos falares regionais. No Brasil, os nordestinos são os que mais sofrem com esse tipo de preconceito.

Dominar a norma culta, em nossa sociedade, é uma forma de exercer poder, bem sabem disso as pessoas mal-educadas e perversas que adoram corrigir aquele que “fala errado”. Portanto, dominar a norma padrão também é uma forma de pessoas sem privilégio de classe se imporem diante de uma elite opressora e preconceituosa.

Isso mesmo! Todas as variedades linguísticas devem ser respeitadas, pois compõem aquilo que chamamos de língua portuguesa. Porém, também é dever da escola propiciar às pessoas sem privilégio de classe o domínio da norma padrão. Afinal, em alguns contextos formais, tal norma pode ser necessária.

Dominar a norma culta não deve ser privilégio de determinado grupo. A igualdade se faz quando temos a opção de escolher. Uma coisa é você ter um smoking, mas decidir ir de bermuda e de chinelo a uma festa de gala. Outra coisa é você ir de bermuda e de chinelo a uma festa de gala porque não tem um smoking.  

Se seu primeiro contato com a língua materna foi por meio da variedade coloquial, dominar a língua padrão não quer dizer desprezar a sua língua afetiva. É apenas uma opção a ser usada em determinados contextos formais. De qualquer forma, “falar errado” também tem a ver com a identidade de um indivíduo, com a sua origem social, da qual ele não deve se envergonhar.

Leia também: Por que ler Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus?

Afinal, existe erro de português?

O linguista Marcos Bagno, o maior estudioso do preconceito linguístico no Brasil, afirma, em seu livro Preconceito linguístico, que muito do que se considera “‘erro de português’ é, na verdade, mero desvio da ortografia oficial”. E argumenta que o “desvio” não impede o objetivo principal do uso da língua, ou seja, a comunicação.

Bagno nos diz que, “do ponto de vista científico, simplesmente não existe erro de português”. Então ele mostra o que seriam “erros de português”, ou seja, construções agramaticais como:

“Eu nos vimos ontem na escola.”

“Júlia chegou semana que vem.”

Você já deve ter percebido que nenhum falante de português como primeira língua comete esse tipo de “erro”.

Bagno só chegou a essas conclusões porque é um linguista, um estudioso da língua. Linguistas buscam descrever os fenômenos linguísticos e os compreender. São, portanto, cientistas. Já os gramáticos repetem regras preestabelecidas e, com exceções, reforçam o preconceito linguístico.

Então, se você quer saber as regras do português padrão para as usar em determinados contextos formais, busque um gramático. Mas se quer entender as nuances e variedades de uma língua, ouça atentamente um(a) linguista.

Entenda que o uso da língua está relacionado com um contexto. Assim, domina a língua aquele que consegue adaptar seus enunciados a diferentes tipos de contexto. Mas isso não indica que essa pessoa seja superior a nenhum outro usuário de um idioma, pois a língua é viva, democrática, e pertence a todos nós.

No entanto, ela também pode ser usada como instrumento de dominação ou opressão. O uso que fazemos da língua também pode ser político. E precisamos ter consciência disso para combater o preconceito linguístico, tão destrutivo quanto qualquer outro tipo de preconceito.

Agora que você já sabe o que é o preconceito linguístico, que tal ler um livro? Afinal, nada melhor do que a arte para abrir a cabeça e combater os preconceitos. Desta vez, vou te indicar a obra Tia Vilma, um livro para todas as idades.

Leia também este livro: Somos bruxas.

Referência

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 22. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

Este artigo foi escrito por: Warley Matias de Souza.