O que é e quando devemos usar a linguagem neutra?

Bandeira não binária.
Bandeira não binária.

Neste artigo, você vai saber o que é a linguagem neutra. Além disso, vai encontrar exemplos desse tipo de linguagem e entender por que ela é atacada por certos grupos conservadores. E você que gosta dos conteúdos do site Gramática da língua portuguesa, conheça também os livros de seu autor. É só clicar aqui.

O que é a linguagem neutra?

Oficialmente, a língua portuguesa apresenta dois gêneros distintos: o masculino e o feminino. Não havia, em nossa língua, substantivos, adjetivos e pronomes neutros, ou seja, sem marca de gênero. No entanto, com a ampliação da consciência política acerca das questões de gênero, o uso de palavras neutras começou a ser pleiteada pela comunidade LGBTQIA+.

Isso porque aumentou a visibilidade de pessoas que se consideram não binárias. Mas o que é uma pessoa não binária? A princípio, é um indivíduo que não se identifica com nenhum dos dois gêneros socialmente impostos, isto é, o masculino e o feminino. Assumem, portanto, um gênero neutro.

Entretanto, como a língua portuguesa não apresentava essa característica, foi preciso criar novas palavras ou adaptar as já existentes, de forma que passassem a apresentar um gênero neutro. No mais, é importante dizer que existem variações na não binariedade. Porém, não vamos entrar aqui nessa questão.

Leia também: O que é e por que existe o preconceito linguístico?

Exemplos de linguagem neutra

Como qualquer sistema linguístico, a linguagem neutra também tem suas complexidades. Por isso, vamos mostrar só alguns exemplos de seu uso, baseados nas orientações do manual de linguagem neutra, feito por pesquisadores da Universidade de Brasília.

Feminino: Olá, mulheres!

Masculino: Olá, homens!

Neutro: Olá, pessoal!

outras possibilidades de se referir a um grupo de pessoas de forma neutra: “crianças” (em vez de “meninas” e “meninos”), “pessoas” etc.

Feminino: Todas são maravilhosas.

Masculino: Todos são maravilhosos.

Neutro: Todes são maravilhoses.

No português, é comum o masculino ser indicado pela terminação “o(s)”; e o feminino, pela terminação “a(s)”. No gênero neutro, utilizamos o “e(s)”. Se são os artigos “o(s)” e “a(s)”, substituímos por “ê(s)” (com acento):

Ê menine está cansade de tanto brincar.

Ês menines estão cansades de tanto brincar.

Assim também acontece com “do(s)” e “da(s)”, “no(s)” e “na(s)”, que passam a ser escritos assim:

As notas des estudantes estão boas.

Jogaram a bola ne menine.

As formas “num”, “nuns”, “numa” e “numas”:

Muito cedo, transformei-me nume docente.

Acabou esbarrando numes pessoas.

Feminino: Ela é minha acompanhante.

Masculino: Ele é meu acompanhante.

Neutro: Elu é quem me acompanha.

O pronome neutro “elu” tem como plural “elus”:

Elus são alegres.

Elus são bonites.

Veja outros exemplos:

Peguei a mochila delu.

Você precisa confiar nelus.

Aquelu que está ali.

Aquelus que estão ali.

Feminino: Chame aquela jovem.

Masculino: Chame aquele jovem.

Neutro: Chame aquelu pessoa jovem.

Você já percebeu que o uso da letra “e” é a chave para a forma neutra. A seguir, vamos ver outras frases com gênero neutro:

Faço isso pele minhe colega.

Faço isso peles minhes colegas.

(“Pele(s)” (se pronuncia “pê-”), em vez de “pelo(s)” ou “pela(s)”.)

Disseram ae colega que elu deveria ir para casa.

(“Ae(s)”, em vez de “ao(s)” ou “à(s)”.)

Conta para sue amigue o que aconteceu.

Conta para sues amigues o que aconteceu.

Lu abraçou-e forte.

Bom, acho que já deu para perceber como funciona a linguagem neutra, não é mesmo? De qualquer forma, há uma série de variações, que vamos aprendendo com o uso. E não se preocupe se errar. Peça desculpa e aprenda com o erro.

O que motiva a aversão à linguagem neutra?

Até o momento, a linguagem neutra (apesar de já estar sendo usada pela comunidade LGBTQIA+ e por pessoas social e politicamente conscientes) ainda não tem caráter oficial. Queremos dizer, com isso, que ela não está nas gramáticas normativas, não é ensinada na escola, nem há uma exigência de seu uso nas instituições governamentais.

Além disso, ela é constantemente atacada por pessoas associadas à ideologia de direita, no Brasil. Isso porque a questão, para essas pessoas, é mais do que linguística, é política. E como tais indivíduos atacam qualquer direito pleiteado pela comunidade LGBTQIA+, com a linguagem neutra, não é diferente.

Às vezes, o ataque vem disfarçado de argumento linguístico, em que supostos estudiosos da língua portuguesa opinam de forma contrária ao uso desse tipo de linguagem. Mas, qualquer pessoa que tenha uma formação mínima em Letras, sabe que, cientificamente, não é possível ser contra um fenômeno linguístico.

Na verdade, os supostos argumentos linguísticos escondem o preconceito puro e simples. Aliás, dificilmente as pessoas realmente importantes, quando o assunto é linguagem neutra, são ouvidas. Estou falando das pessoas não binárias. Isso só mostra o desrespeito da sociedade com tais pessoas.

Então, se você não é contrário ou contrária (olha o binarismo aí!) à linguagem neutra, sugiro que, se conhecer alguém que tenha aversão a esse tipo de linguagem, faça o seguinte. Se for mulher, passe a se referir a ela com pronomes, substantivos e adjetivos masculinos. Se for homem, faça o contrário, ou seja, use o feminino.

Essa mulher, ao ser chamada de “ele”, “esperto” e “homem”, logo vai manifestar o seu incômodo. O mesmo vai acontecer com o homem que for chamado de “ela”, “esperta” e “mulher”. É hora de lembrar, didaticamente, que é esse incômodo que sentem as pessoas não binárias. Mas sabemos que não vai adiantar nada, não é? Afinal, o que essas pessoas preconceituosas querem mesmo é atacar os indivíduos não binários.

Quando usar a linguagem neutra?

Há gente que acha que é dona da língua e quer impedir que as pessoas usem a linguagem neutra. Ora, que petulância! Assim como os estrangeirismos, a gíria e outras variações, a linguagem neutra é mais um fenômeno linguístico, e seu uso vai depender dos falantes da língua portuguesa.

Mas não precisa sair por aí usando a forma neutra a torto e a direito. Você vai utilizar essa variedade linguística quando o contexto exigir. Pois o uso da linguagem neutra é também um ato de educação e respeito diante de pessoas não binárias. É para se dirigir ou se referir a essas pessoas que a forma neutra deve ser usada.

Agora que você já sabe o que é e quando usar a linguagem neutra, que tal ler um livro? Afinal, nada melhor do que a arte para abrir a cabeça e combater os preconceitos. Desta vez, vou te indicar os minicontos da obra Antes do ponto final.

Leia também este livro: Tia Vilma.

Referência

LEÃO, Carol et al. Comunicação para todes, todas e todos. Universidade de Brasília: Faculdade de Comunicação, 2022.

Este artigo foi escrito por: Warley Matias de Souza.